De Norte a Sul, de Leste a Oeste


            Em caráter extraordinário foi convocada uma reunião. Os seguintes Santos foram chamados: São Paulo, São Bento, São Judas e São Joaquim. Para não dar um ar de reunião machista, Santa Ana e Santa Cecília também foram convocadas (é sempre bom ter uma visão e um toque feminino, mesmo entre os Santos).
            A pauta da reunião era: colocar ordem no metrô de São Paulo.
            Já que esses Santos foram os homenageados pelo Metrô, que deu os seus nomes a algumas estações, nada mais justo que chamá-los para que se virassem com o assunto e ajudassem de maneira miraculosa os pobres e coitados usuários desse meio de transporte.
            Como se tratava de uma causa impossível, São Judas assume a liderança da reunião.
            Levantando-se de sua imponente cadeira, com voz firme, diz ao outros:
 ̶  Meus queridos companheiros Santos e Santas aqui presentes, a estação Paraíso está um inferno, não há mais Consolação para os usuários que estão com suas vidas em risco e, até mesmo, perdendo a Saúde devido à falta de estrutura do metrô Paulistano.
            São Bento, indignado com a questão, também se levanta da sua imponente cadeira e declara:  ̶  É necessário lançarmos uma Luz sobre esse assunto. Os pobres usuários estão como Tiradentes, com a corda no pescoço.
            Santa Cecília acena concordando com a cabeça e, também, levantando-se da sua imponente cadeira, faz um discurso com uma linguagem bem informal (um pouco estranho para uma Santa): ̶  Acho que a Barra é mais Funda do que pensamos. Vamos pensar: o que Faria Lima se estivesse nessa situação?
            ̶  Bom questionamento!  ̶  exclama São Joaquim interrompendo a fala de Santa Cecília.
            E continua:  ̶ Será o caso de convocarmos Marechal Deodoro para assumir a frente da campanha?
            Santa Cecília continua com seu discurso:  ̶  Não!  Vamos fazer como a Guilhermina, ela nunca perdeu a Esperança. Só assim encontraremos a Liberdade de que os usuários tanto necessitam.
            Nesse momento da reunião, São Judas retoma a palavra e a passa para Sant´ana, que havia levantado a mão e estava à espera de uma oportunidade para falar.
            ̶ O que você tem a nos dizer, Ana, desculpe, Sant´ana?
            Ela, olhando fixamente para o Santo das causas perdidas, diz pausadamente:  ̶  Temos que ajudar os usuários a darem  seu grito do Ipiranga. Não podemos mais tolerar o descaso dos responsáveis. Não podemos ficar aqui sentados só ouvindo o badalar dos sinos de Belém. Imaginem como os milhares de usuários devem se sentir. Eu me coloco no lugar de cada Mariana, Madalena, Ana Rosa, Conceição e da várias Matildes, Conceição, das donas Armênias que utilizam o metrô.
            ̶ Apoiado!  ̶  disse São Paulo, sentado em sua cadeira imponente, olhando para o Jardim.
            Todos, então, fazem uma prece aos pés da Santa Cruz pelos pobres e frágeis usuários do metrô. Eles também pedem providências para que os responsáveis sejam levados à Estação Carandiru.
            A reunião foi encerrada por um Patriarca com uma missa na Sé.
           
Autoria do Texto: Carlos Barabás

É muito difícil entender as mães

É muito difícil entender as mães.... A mesma mãe que diz: “acorda”, também diz: “vai dormir”.
Ela fala: “Vai logo” e, na mesma frase, ”volta logo”. “Anda; pára. Sobe lá; desce aqui. Fica sentado; levanta”.
Vai entender lá o que querem essas mães...
As mães sabem usar as palavras. Usam algumas palavras chaves e formam expressões para transmitir o que desejam.
No meio de um universo de expressões, algumas palavras se destacam no dia a dia.

Expressões que contêm a palavra “tudo”:
Come tudo.
Lava tudo.
Limpa tudo.
Recolhe tudo.

Expressões que contêm a palavra “pára”:
Pára já.
Pára de amolar.
Pára de provocar seus irmãos.
Pára de chorar.
Pára de ver tv.

Expressões que contêm a palavra “agora”:
Vai pro banho agora.
Vem prá mesa agora.
Vai prá cama agora.
Faz isso agora.

Expressões que contêm a palavra “vezes”:
Quantas vezes eu já pedi para você fazer isso?
Quantas vezes vou ter que repetir isso para você?
Cansei de contar quantas vezes eu te avisei.

Expressões que contêm a palavra “isso” (uma das palavras mais usadas por elas, que se encaixa em qualquer situação):
Faz isso.
Não faz isso.
O que é isso?
O que é isso no seu rosto?
O que é isso no seu cabelo?
O que é isso no seu dente?
O que é isso no seu boletim?
O que é isso no banco do carro?

Sem falar das expressões: “você já fez...? você já foi..? você já viu...?” 

Mãe é assim, e não dá para mudar. Se mudar, estraga.
Tem mãe que fala mais, tem mãe que fala um pouco menos (conheço poucas). Que bom que usam as palavras para nos ajudar, proteger e alertar!
Tenho certeza que nessa semana a sua mãe está querendo dizer algo para você (se é que já não disse): “O que você comprou prá mim?”.

Autoria do Texto: Carlos Barabás

Mãe


Ser mãe não é tarefa para qualquer um. Não basta apenas nascer mulher para saber ser mãe. Tem muita mulher que não sabe ser mãe.
Ser mãe é ter um chamado divino, é sagrado, é algo muito sublime.
Em seu interior, um ser é formado. Ela dá a luz e traz uma vida à existência.
Há um grande mistério em ser mãe. Você sai de seu útero para nunca mais voltar e entra em seu coração para de lá nunca mais sair.
Tem mãe que não gerou no útero, mas no coração. Tem “mãe” que gerou no útero, mas não no coração.
Mãe gosta de pegar o filho no colo e trazê-lo para bem perto do coração. Lugar de filho é no coração da mãe.
Mãe dorme pouco e se preocupa muito.
Ela sabe de tudo o que o filho gosta e não mede esforços para dar a ele o que necessita.
Ela se doa e sonha com o futuro dele. 
Está sempre protegendo, mesmo que seja do frio.
Ela dá um cheiro e um beijo.
Orgulha-se das pequenas coisas que o filho faz.
Para a mãe, o filho é sempre pequeno, nunca irá crescer. 
Mãe tem muita paciência, às vezes ela perde, mas logo acha de novo.
Mãe põe termômetro, dá xarope e leva prá tomar vacina. Mãe que é mãe passa protetor solar no filho.
Ela também dá verdura e diz que é preciso comer tudo o que está no prato, mesmo quando o filho já tem seus próprios filhos.
Mãe é ciumenta e nunca acredita quando alguém diz que o filho é bagunceiro. “Meu filho? Ah! Imagina...”, ela diz.
Mãe é coruja, é leoa e galinha (no bom sentido, é claro!)
Mãe aperta a bochecha do filho enquanto o penteia.
Nunca fica sossegada na praia ou perto da piscina.
Mãe custa a dormir enquanto o filho não chega em casa.
Para a mãe, nenhuma mulher está à altura do seu filho, nem existe homem algum que mereça a sua filha.
Mãe gosta de repetir as ordens que deu, quinhentas mil vezes, mesmo que o filho já as tenha entendido na primeira vez.
Tem mãe que não se contenta em ser mãe só de seus filhos; é a mãezona, quer ser mãe de todo mundo.
Existe mãe que perdeu o filho, mas nunca o perdeu em seu coração.
Mãe é forte, mas é delicada. Não se cansa, mas precisa de descanso.
Sorri, mas também chora.
Ser mãe é um trabalho que não tem fim.
Colo de mãe é o melhor remédio.
Mãe cuida, ampara e protege.
É muito difícil esconder algo da mãe, ela descobre tudo.
A mãe nunca abandona seu filho, mesmo que ele esteja em um lugar bem fechado, sem liberdade.
Mãe fica ao lado do filho no hospital. Tem mãe que empurra cadeira de rodas, que se sacrifica pelo filho.
Ela passa frio e fome para que o filho não passe.
Mãe deve ser aplaudida todo dia, não com as mãos, mas com o coração.
Mãe merece a música mais bonita, o lugar mais alto no pódio, uma estátua em sua homenagem, pétalas lançadas do céu, uma queima de fogos... Mas ela troca tudo isso, só para ouvir de você: “Eu também te amo, mãe”.
Isso para ela é o mais importante: o seu amor.

Autoria do texto: Carlos Barabás


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Lá onde nasci


Lá, onde nasci,
Derrubaram as árvores, plantaram os postes.
Tiraram a terra, cimentaram tudo.
Passarinho, só na gaiola, fruta, só no mercado.
As crianças não brincam mais nas ruas.

Lá, onde nasci,
As casas foram empilhadas.
Ninguém conhece mais ninguém.
O vizinho é alguém distante.
As portas estão trancadas.

Lá, onde nasci,
Não tem mais poeira, tem poluição.
Onde era a várzea, agora é um shopping.
No lugar do campinho, mais uma construção.
Muita gente, pouca vida.

Lá, onde nasci,
Só se fala em segurança.
Há grades em todos os lugares.
Ninguém mais é livre.
Ninguém nem sabe que nasci ali.

Lá, onde nasci,
Todo mundo agora anda apressado.
Olhando só para frente e para o relógio.
É um grande vai e vem.
Todo mundo se vê, mas ninguém se enxerga.

Lá, onde nasci,
Ficaram as lembranças e as recordações,
Nostalgia e saudades.
Passou-se a infância, aquele bom tempo.
Lá onde nasci, não existe mais, só dentro de mim.

 Autoria do Poema: Carlos Barabás

Seu Nenga


Conheci seu Nenga, sertanejo da Bahia. Homem simples e de muitas histórias, típico dos Nordestinos.  Chapéu surrado, bota velha e empoeirada, facão na cintura e calça rasgada no joelho. Sua aparência quando calado é rude, mas quando começa a falar  se torna singela e gentil. Até hoje não sei dizer a idade dele, já tentei adivinhar, eu acho que é por volta dos 63. 

Quando estendeu a mão para me cumprimentar, na porteira da sua propriedade, deu para sentir a mão seca e calejada dos anos de trabalho pesado no chão duro e seco do sertão.

Gosta de puxar assunto e falar do passado. Fala apontando para todos os lados, como se eu soubesse tudo o que existe na região e quem são as pessoas de quem fala. Homem de bom coração.

Conheci seu Nenga em uma viagem pelo sertão da Bahia.

Fui conhecer a sua pequena propriedade, que ele com orgulho diz ter documento e tudo. Seu Nenga diz que aquele é o seu pedaço de chão e que foi o bom Deus que deu para ele.

No seu pedaço de chão foi instalada uma bomba d’água elétrica e uma cisterna para ajudar toda a comunidade local. Foi um projeto de ajuda privada, que envolveu várias pessoas e empresas. Fui entrevistar seu Nenga e fotografar o local.

Perguntei para seu Nenga: – O que o senhor cria por aqui?

Ele me respondeu debruçado na manivela da bomba d’água: –  Umas cabrinhas prá leite, umas galinhas prá ovos, tenho um jegue velho pra carregar lenha e um punhado de pé de feijão lá trás na roça.

Continuei com mais uma pergunta: - Essa bomba d’água tem ajudado as famílias da região? – Vixi, se tem, doutô! As crianças tão com mais saúde.

Assim eu continuei com mais algumas perguntas, até chegar a última e terminar a minha visita.     A resposta de seu Nenga demonstrou todo afeto e  simplicidade daquele coração. A pergunta foi:  – Seu Nenga: Quais são seus sonhos?

A sua resposta foi maravilhosa. Ele em um gesto de reverência tira o chapéu da cabeça, o aperta no peito e com um olhar para o céu diz: –  Olha meu filho, eu tenho sonhado muito com a minha “véia” que já se foi há dez anos, quase sempre sonho com ela.

Eu não reformulei a pergunta e conclui com essa resposta simples e do entendimento do seu Nenga.

Voltei com fotos, algumas respostas, mas, acima de tudo, voltei com algo que chamou muito a minha atenção e que me colocou  para pensar a respeito de sonho, ou melhor, sonhos.

O sonho pode ter três significados totalmente diferentes. Primeiro, o sonho pode ser um doce da padaria (que é muito bom, mas que não vem ao caso), segundo, pode ser um forte desejo a respeito de coisas futuras (que era a minha intenção ao fazer a pergunta) e terceiro, podem ser as imagens produzidas pela mente durante o sono (que foi o que o seu Nenga entendeu).

Nossos sonhos e ambições muitas vezes se resumem em desejos de ter o conforto, o progresso, melhora na qualidade de vida e tudo mais para o futuro (que não é errado) mas,  nos esquecemos daquilo que os sonhos nos fazem lembrar o que vivemos no passado, com quem vivemos as lembranças e recordações.

Enquanto eu esperava uma resposta visando o futuro e o progresso que aquela bomba d’água trouxe a comunidade, recebi uma resposta nostálgica, remetendo ao passado e uma saudade.

Ao lado da bomba percebi o quanto o sonho pode ser importante para o futuro, nos levando a uma visão, mas o quanto ele é importante no passado também nós levando a uma recordação.

Guardo a foto do Seu Nenga com muito carinho. Guardo também com carinho os meus sonhos.


Autoria do Texto: Carlos Barabás


Carta do Pai da Noiva

Querida Renata,

Está chegando o “Grande Dia”: o dia do seu casamento.

Desde o dia em que peguei você em meus braços pela primeira vez eu sabia que esse Grande Dia iria  chegar, por isso eu te abracei mais forte ainda.

Ele está chegando, está muito próximo. Estou muito feliz e me sinto realizado em você. 

Vejo toda a sua alegria, o entusiasmo com que você tem preparado todas as coisas para o casamento, o seu lindo vestido de noiva que só ficou mais lindo porque você o vestiu, os convites, o chá, a montagem do apartamento, as madrinhas animadas em escolher as cores de seus vestidos,  o seu sorriso ao receber os presentes que já estão chegando e as suas pequeninas mãos estendidas em minha direção levando mais um cheque para pagar alguma coisa do casamento.

É a realização não só do seu sonho,  mas também a realização do sonho de um pai.

O melhor de tudo isso é que você tem a benção de Deus e de seus pais. Isso, sim, é o mais importante e é o melhor de toda a festa.

Você está se casando com um homem de Deus que, eu tenho certeza, a amará e cuidará de você por toda a vida. 

Vocês estão guardados e protegidos pelo Senhor.

Daqui a alguns dias estaremos juntos naquele salão, de braços dados, entrando por aquele corredor cheio de flores ao som deu uma linda música. Só eu e você, e todos os convidados te olhando e cochichando uns nos ouvidos dos outros: – Nossa! Como ela está linda!

Gostaria que o tempo parasse naquela hora por alguns instantes, mas ele não vai parar. Eu preciso te entregar ao seu esposo  mas, antes disso, eu quero te dar um abraço bem gostoso e apertado como aquele que eu te dei quando você nasceu.

Você é a minha alegria.

Espero estar sendo um bom pai da noiva.

Seu pai. 


Autoria do texto: Carlos Barabás

O trabalho Carta do Pai da Noiva de Carlos Barabás foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - NãoComercial - SemDerivados 3.0 Não Adaptada.

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Usuário

Minha história não é diferente da de muitos outros, nem mesmo no que se refere ao seu começo.

Como todos os outros, comecei cedo e, infelizmente, o exemplo veio de casa. Isso mesmo, no meio da minha família, daqueles que deveriam me proteger e zelar por minha integridade física, moral e emocional.

Passei a adolescência e a juventude enfrentando a mesma dependência e, cada vez, me tornava mais escravo dessa droga.

Procurei ajuda. Foi em vão. A saída que me ofereceram era dispendiosa tanto para mim como para minha família.

Por pouco tempo da minha vida adulta consegui me abster mas, com o decorrer do tempo, acabei cedendo novamente. O que dizem é verdadeiro: “a volta é bem pior”. Fui tido como fraco, mas é fácil falar quando se está olhando de fora para dentro. Só quem está dentro sabe do que realmente estou falando.

Fiz longas viagens, em algumas delas até apaguei e, não fossem os companheiros que também fazem uso da mesma maldição, talvez nem voltasse.

Quando você é usuário, não importa a hora, o “bagulho” vai te pegar de jeito. As manhãs eram os piores momentos do dia. Sentia minha cabeça fora do corpo, cada parte de mim gritava por socorro em meio às pressões e agressões que essa droga oferece. No entanto, cada vez mais, você precisa dela. Não importa se é dia ou noite, frio ou calor, sol ou chuva. Conformei-me a ser um usuário no meio de tantos outros.

Já vi pessoas brigando, outras totalmente perdidas procurando por ajuda e muitas tentando sair por conta própria. Algumas se conformam e fazem uso até o final da vida, muito triste.

O governo faz vista grossa ao problema. As campanhas são paliativas e o investimento, pequeno, perto da demanda que o assunto merece.

Tenho vergonha de chegar em casa após usar. A sensação de que no próximo dia tudo aquilo me atormentará novamente é capaz de tirar o sono.

Tenho vergonha de falar quantas vezes uso para os amigos que não conhecem e não entendem o se passa quando se está dentro dela.

Com muita vergonha confesso que sou usuário do transporte público. Utilizo os ônibus e metrô dessa cidade.

São Paulo cresceu, mas os meios de transporte não acompanharam ol crescimento, e acabaram por se tornar a droga desse infeliz e condenado usuário.

Como muitos outros usuários que também precisam viajar longas horas, enfrento a minha luta diária pensando que, algum dia, medidas melhores serão tomadas por parte dos responsáveis e, então, serei livre dos meus tormentos.


Autoria do texto: Carlos Barabás